Nesta edição: Victor Schabbel, sócio e analista da Ibiuna Investimentos, discorre sobre as diversas classes de ativos do mercado brasileiro e das distorções criadas pelo mercado, como por exemplo a isenção de impostos em alguns títulos, e os impactos que isto ocasiona.
Autor desta edição: Victor Schabbel é sócio e analista de ações da Ibiuna Investimentos desde 2021. De 2019 a 2021, foi responsável pela cobertura do setor financeiro no Bradesco BBI. Entre 2016 e 2019, ocupou a posição de diretor de relações com investidores e planejamento estratégico na Cielo. Entre 2009 e 2016, foi o analista responsável pela cobertura do setor financeiro não-bancário, educação e saúde no Credit Suisse. Iniciou a carreira como analista de crédito no ABN AMRO Asset Management (posteriormente Santander Asset Management). É Graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP).
O Radar Uinvex é escrito pessoalmente pelos fundadores da Uinvex ou por experts renomados em suas áreas de atuação sobre temas relevantes do mercado de investimentos.
Cuidado com a sala VIP que você deseja
Qualquer um que tiver a oportunidade de embarcar no terminal 3 do aeroporto de Guarulhos (São Paulo) vai se surpreender com a quantidade de salas VIPs disponíveis. O número de espaços oferecidos por bancos e bandeiras de cartões é impressionante.
Apesar de ser o maior aeroporto do Brasil (em fluxo de passageiros) e um dos três maiores da América Latina, Guarulhos está longe de figurar entre os aeroportos mais movimentados do mundo. Isso, porém, não impede que o aeroporto brasileiro seja aquele com maior número de espaços exclusivos para determinados passageiros.
E isso tem um custo. Talvez por uma combinação histórica de baixa sofisticação financeira e decisões equivocadas de agentes econômicos, o Brasil se deixou seduzir pelos falsos encantos associados aos subsídios. Subsídios das mais variadas espécies, inclusive daquelas que viabilizam as salas VIPs para um seleto grupo de clientes.
Os exemplos são tantos, que até onde a racionalidade de mercado deveria prevalecer, os subsídios distorcem os preços relativos. A partir do início dos anos 2000, alguns instrumentos passaram a ter seus rendimentos isentos do imposto de renda. Dentre eles, temos as LCIs (letras de crédito imobiliário) e as LCAs (letras de crédito do agronegócio) como as mais populares. Desde então, pela combinação de alguns fatores, como (i) isenção do IR sobre os rendimentos e (ii) necessidade de liquidez por parte dos bancos, o crescimento desses ativos tem sido marcante.
Assim como as salas VIPs, à primeira vista, o mercado pode enxergar apenas vantagens: alguns investidores usufruem de isenção do imposto de renda e os bancos são capazes de emprestar mais. Por mais que as operações de crédito sigam no balanço dos bancos (diferentemente dos CRIs, certificados de recebíveis imobiliários, e das CRAs, certificados de recebíveis do agronegócio), ao emitir LCIs e LCAs as instituições são capazes de captar mais recursos junto ao mercado para financiar o crescimento de suas carteiras de crédito.
Até aqui, parece tão atraente quanto a taça de espumante oferecida pelas salas exclusivas dos aeroportos. Com o tempo, esses subsídios cruzados podem gerar embriaguez e ressacas mais severas do que o mercado gostaria de lidar. Enquanto o espumante oferecido nas salas VIPs é subsidiado pelos clientes que não as frequentam, os títulos de crédito incentivados (rendimentos isentos de imposto de renda) acabam por serem sustentados pela queda de demanda por outros ativos financeiros (que pagam imposto).
Com o tempo, os subsídios acabam por gerar distorções em diversas frentes do mercado financeiro. Por mais que o benefício da isenção de imposto seja exclusivo para alguns títulos de renda fixa privados, os efeitos são sentidos por títulos públicos, outros títulos de renda fixa privados, no mercado de renda variável, entre outros.
As ações de empresas listadas em bolsa são um bom exemplo. Por serem ativos de maior risco, investidores demandam um prêmio maior: quanto maior o risco percebido, maior o
retorno potencial esperado. Com a isenção de imposto para alguns títulos, esse prêmio de risco para as ações acaba por aumentar, uma vez que o ganho de capital atrelado a elas não é isento. Isso indiretamente reduz o apetite por investimentos (lembrando que ações representam o capital das empresas) e aumenta a oferta de dívida bancária.
De forma similar, ainda que tidos como títulos de baixo risco (ou até sem risco, risk free), os títulos públicos também passam a competir com os instrumentos isentos. Por fazerem parte da mesma categoria, títulos de renda fixa, a isenção para alguns instrumentos pode reduzir a demanda por títulos públicos, prejudicando o (re)financiamento da dívida pública por parte do governo.
Esses são apenas poucos dos muitos exemplos que temos de distorções geradas por subsídios. E, ao contrário do que o Brasil tem feito nas últimas décadas, a solução não está em novos subsídios para compensar os atuais. O caminho é retirar, ainda que gradativamente, os incentivos existentes, permitindo que o mercado atue de forma mais livre em direção de algo mais próximo ao equilíbrio. Não existe espumante grátis.
Bons investimentos,
Andre Sobreira & Ivano Westin
Sócios fundadores da Uinvex