Autor: Yuri Frota, fundador e CEO da Sunne Energias Renováveis, empresa presente em 22 estados no Brasil, com quase mil usinas sob gestão e mais de 40 mil unidades consumidoras de energia. Operador do mercado de energia elétrica pela ABRACEEL (COE). Engenheiro eletricista, formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Conteúdo baseado no Radar Uinvex, material escrito pessoalmente pelos fundadores da Uinvex ou por experts renomados em suas áreas de atuação sobre temas relevantes do mercado de investimentos.
A reforma do setor elétrico
Em abril, o Ministério de Minas e Energia (MME) encaminhou a proposta de reforma do setor elétrico para a Casa Civil. No dia 6 de maio, o ministro de Minas e Energia mencionou a jornalistas que o texto foi aprovado pelo presidente Lula. É esperado que o texto seja enviado ao Congresso nos próximos dias sob a forma de uma Medida Provisória.
Resumo da Reforma: Três eixos
O MME dividiu o texto da Reforma em três eixos principais:
- Justiça tarifária
- Liberdade para o consumidor
- Equilíbrio para o setor
Eixo #1: Justiça tarifária
As medidas propostas neste eixo visam a aumentar os descontos nas contas de energia para famílias que tenham direito a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE). Os critérios de inclusão da TSEE são os seguintes:
- Famílias atendidas pelo CadÚnico com renda mensal de até meio salário mínimo per capital;
CadÚnico é o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda em todo o território nacional.
- Pessoas com deficiência ou idosos (65+) no Benefício de Prestação Continuada;
- Famílias indígenas e quilombolas do CadÚnico;
- Famílias do CadÚnico atendidas em sistemas isolados por módulo de geração.
As mudanças na TSEE propostas é a gratuidade na conta de energia para todo o consumo até 80kWh (ou seja, uma família que se enquadra na TSEE e consuma 100kWh, só pagará 20kWh de energia). Atualmente, 60 milhões de pessoas se encaixam na TSEE, e é esperado que 16 milhões de pessoas tenham suas contas zeradas.
Descontos atuais e propostos na TSSE. Fonte: MME
Eixo #2: Liberdade para o consumidor
Este é o eixo do “Mercado Livre de Energia”. A Reforma propõe que, ao longo do tempo, todos os consumidores possam escolher a sua operadora de energia de preferência, de uma maneira similar ao que ocorre hoje nas empresas de telefonia móvel ou planos de internet.
Atualmente, só estão no Mercado Livre de Energia (conhecido tecnicamente no setor como ACL – Ambiente de Contratação Livre) empresas, indústrias e outros estabelecimentos que consomem um grande volume de energia elétrica em média e alta tensão (chamados de Grupo A de consumidores). Neste mercado, atualmente conseguem-se descontos de até 30-35% na tarifa de energia.
A proposta é de uma abertura gradual do mercado para o grupo B de consumidores (consumidores de baixa tensão, abaixo de 2.3kV):
- A partir de 1o de março de 2027: abertura do mercado para as indústrias e comércios.
- A partir de 1o de março de 2028: abertura do mercado para os demais consumidores (incluem-se aqui os consumidores residenciais).
Neste modelo de Mercado Livre, o papel das atuais concessionárias locais, seria de continuar responsáveis pela infraestrutura de distribuição local que faz a energia elétrica chegar até residências, comércios, etc. As concessionárias continuariam recebendo o valor referente a distribuição da energia, mas o valor referente ao consumo de energia em si seria pago para a operadora de energia que o consumidor escolher.
A ideia é que na conta de luz, o consumidor saiba exatamente o que esta pagando para a distribuidora (concessionária local, referente ao uso da rede) e para o fornecedor de energia que ele escolher (consumo de energia propriamente dito).
Eixo #3: Equilíbrio para o setor
O terceiro eixo é bastante importante e diz respeito a como serão financiados os descontos adicionais visualizados no Eixo #1.
Segundo o MME, a idéia da reforma é que o aumento dos recursos necessários para oferecer os benefícios do Eixo #1 sejam neutralizados com outras ações de redução e redistribuição de encargos, de três principais maneiras:
- Distribuição dos custos relacionados a Angra 1 e 2 entre todos os consumidores (incluindo os do Mercado Livre), e não apenas entre os consumidores cativos, como ocorre atualmente.
Usinas nucleares Angra 1 e 2, que correspondem a cerca de 2% da geração de energia no Brasil. - Redução dos encargos decorrentes do consumo de energia incentivada. Atualmente, há um desconto na TUSD (Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição – um dos componente das conta de energia elétrica) significativo (aproximadamente 50% ou mais). A proposta da reforma é que ao fim de cada contrato, esses descontos atuais sejam extintos, e que os consumidores que migrarem para o Mercado Livre de energia segundo o calendário do Eixo #2 não tenham mais desconto de fonte incentivada.
- Definição de autoprodução de energia elétrica. Na proposta da Reforma, para terem acesso ao benefício de encargos da autoprodução, os consumidores precisarão de demanda de no mínimo 30MW e terem uma participação mínima de 30% no capital social do projeto. Atualmente não há limite mínimo de demanda nem de participação mínima para um consumidor de média e alta tensão se qualificar como autoprodutor – o que tem levado a muitos arranjos societários para se obter benefícios de redução de encargos. Por outro lado, esta medida acaba por fortalecer grandes geradores em detrimento de empresas menores – tema que também tem gerado discussões no setor.
Visão da Sunne sobre a Reforma e impactos na Geração Distribuída (GD)
A Geração Distribuída (GD), via o modelo de energia por assinatura, têm se mostrado uma maneira eficiente para os consumidores de baixa tensão se beneficiarem de descontos na tarifa de energia, mesmo ainda estando vinculados ao Mercado Cativo, isto é, sem acesso ao Mercado Livre de Energia.
Neste modelo, os consumidores e produtores de energia (tipicamente plantas de energia solar fotovoltaica) aderem a uma associação ou consórcio, e os créditos gerados pela injeção de energia das concessionárias são usados para abater o consumo de energia dos consumidores – um efetivo desconto na tarifa.
Com a proposta da Reforma, gerou-se a preocupação se o modelo de GD estaria fadado à extinção, uma vez que os consumidores poderiam migrar livremente para o Mercado Livre. A Sunne acredita que o modelo de GD continuará firmemente a existir, por um forte incentivo econômico:
- Caso um consumidor, por exemplo residencial, decidir migrar para o Mercado Livre, ele terá descontos somente sobre o componente TE (Tarifa de Energia) de sua conta, e não mais o desconto da TUSD, que na proposta da Reforma será extinto para quem aderir ao Mercado Livre. Estimamos que um desconto de 15–20% somente sobre a TE será equivalente a um desconto de 7.5–12.5% da Tarifa Total (TE + TUSD) para consumidores residenciais e comerciais.
- No modelo de GD, os descontos continuam tanto sobre a TE quanto sobre a TUSD, deste modo proporcionando um desconto efetivo maior na conta de luz do consumidor de baixa tensão.
- Somente para os consumidores do grupo A, que já estão no Mercado Livre, haverá um incentivo econômico para mudar para o Mercado Livre. Para consumidores residenciais ou pequenos e médios consumidores industriais e comerciais, economicamente fará mais sentido continuar dentro do modelo de GD.
- No entanto, caso não haja mais novas usinas disponíveis de energia por assinatura, haverá sim uma oportunidade para o consumidor economizar migrando para o Mercado Livre, independentemente do seu tamanho.
Geração Distribuída Solar por Classe de Consumo. Fonte: ABSOLAR, ANEEL
Bons investimentos,
Andre Sobreira & Ivano Westin
Sócios fundadores da Uinvex